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A ciência surgiu como esse corpo de conhecimentos organizados recentemente na história. Ela surgiu da centelha que em nós sempre houve, da curiosidade, do fascínio, do medo e deslumbre. E quando ela alvoreceu imaginamos que poderíamos resolver todos os problemas da nossa espécie, pareceu que poderíamos desvendar os maiores segredos da realidade e das leis da natureza graças a seu método e a racionalidade.
Com isso, desvendamos nosso lugar no tempo e no espaço derrubando as crenças da terra no centro de tudo, compreendendo a lei da gravitação universal e os princípios da termodinâmica. Melhoramos nosso entendimento do nosso surgimento através da compreensão da evolução das espécies e desvendando a genética. Prolongamos a nossa vida e descobrimos diversas maneiras de produzir arte e aproveitar a vida extra que ganhamos.
Nosso duro trabalho na ciência, lutando contra crenças políticas e religiosas nos fez compreender muito mais sobre nosso lugar no universo. Não estamos no centro de tudo, não somos os primeiros, não fomos criados para cuidar do mundo, o planeta não pertence apenas a nós e as coisas que nos cercam são mais complexas que a maioria dos nossos ancestrais poderia imaginar. Por séculos a ciência avançou e prosperou e ainda avança. Mas a excitação da descoberta, nosso olhar para o futuro nos cegou para o que acontecia ao nosso lado. Achamos que poderíamos resolver tudo, achamos que não íamos sentir medo, que não íamos falhar. Mas nós falhamos... é, nós falhamos...
O ego da nossa espécie cresceu demais, ficamos confiantes na nossa economia. E nós cientistas, nos fechamos nas quatro paredes das nossas salas, debates, congressos e laboratórios. Ficamos muitas vezes, inertes aos usos perversos da ciência que produzimos em tecnologias para lucrar, matar, enganar e deformar o mundo a nossa volta para interesses individuais e a curto prazo. Às vezes, até participamos disso deliberadamente. E lá fora, nos debates políticos e na ascensão da internet, a ignorância crescia. Nos concentramos em nossa produção de artigos e deixamos de lado a valoração dos educadores e divulgadores da ciência. Produzimos bem, mas esquecemos que só isso não basta, produzimos bem, mas esquecemos de nos perguntar, para quem?
Da noite para o dia acordamos precisando desesperadamente das ciências sociais, Que por tempos foram deixadas de lado por boa parte da academia. Nos deparamos com um mundo em que muitas pessoas se apropriaram de algumas características da ciência para criar a pseudociência, ganhar prestígio político, vender coisas, enganar as pessoas. Nos fechamos demais e no caso do Brasil, começaram a cortar o dinheiro. As pessoas esqueceram do vínculo da ciência com seu bem-estar, e no lugar dela, colocaram o mercado, sim, a economia, mesmo ela que depende tanto da diversidade da ciência, esqueceu de ouvir outras áreas do conhecimento e se fechou no seu crescimento a todo custo. Comprar coisas se tornou a medida do bem estar e da felicidade e não o conhecimento.
Depois que se esquece da ciência, o investimento do governo que deveria ir para a universidade, para as pesquisas de diversas áreas de desde a básica até a aplicada começou a sumir. Não que em tempos anteriores a ciência tenha vivido tempos melhores, mas agora o ataque é massivo, organizado. Perdemos prestígio, dinheiro e apoio popular. De repente os cientistas e professores se tornaram parte de uma conspiração contra a sociedade. Muitos destes deixaram o país numa fuga de cérebros. Assim, sofremos hoje pelas consequências das nossas falhas. Por tempo demais a ciência esteve confinada nas paredes da universidade e dos centros de pesquisa. E as pessoas, que convivem com a ciência diariamente, ficaram sem saber ao certo o que ela é e como ela funciona. Pois nós falhamos. É, nós falhamos.
Mas como foi dito na frase do começo desse episódio, o erro pode ser um grande professor. E bem, nós poderíamos muito bem esconder todos os nossos defeitos e os problemas que eu citei até aqui, jogar para debaixo do pano todos os erros que cometemos. Mas como sempre dizemos no ensinecast, a ciência precisa falar dos seus erros, precisa se expor para corrigir e melhorar, como na atual conjuntura da pandemia, em que cientistas e revistas científicas se retratam, ao contrário do atual governo brasileiro, que em meio a tanto caos ainda tenta esconder informações.
A ciência não pertence a nenhum de nós, assim como esse planeta. Imersos na nossa arrogância, esquecemos que todos, a sua tia que mora no interior, o pobre, o branco, o preto, a mulher, o doutor, o analfabeto, todos são parte da ciência. Direta ou indiretamente. E esquecer disso deixou a maior parte da academia distante de tudo. Nossos olhos para o horizonte nos cegaram para o que acontecia aqui, ao nosso lado, do outro lado da rua. Mas os erros têm o poder de nos lembrar do que esquecemos: Divulgação científica, comunicação científica, educação básica, extensão universitária e política, isso falta na ciência e nos Cientistas.
A produção acadêmica é importante, mas ela precisa de aliados. As próprias áreas da ciência precisam ser aliadas. Precisamos ouvir e dialogar com todas as esferas da sociedade, principalmente as escolas. Talvez tenhamos perdido alguns senhores e senhoras para alienação da negação, talvez tenhamos perdido alguns porque os colocamos à margem da ciência rindo deles, imaginando que não podiam fazer nada. Porém, eles se agruparam, em terra planistas, negacionistas das mudanças climáticas, pseudocientistas, charlatões, revisionistas históricos, antivacinas partidos e movimentos políticos. Eles estão escolhendo não financiar a ciência e pior, algumas áreas especificas ainda sofrem mais.
Mas não podemos perder o futuro, a educação básica, as crianças. As escolas precisam promover a alfabetização científica, a arte e a autonomia e caminhar junto com as universidades. E antes disso, precisamos com uma urgência assustadora, diminuir a desigualdade social. Perdermos anos preciosos, mas o agora e o futuro ainda podem ser promissores. Hoje assistimos a ascensão de milhares de cientistas e professores na internet. Estamos ocupando um espaço dominado por forças obscuras, de notícias falsas, anticiências e pseudociências. Estamos aprendendo a dialogar, desmentir e ensinar pela internet.
Crescemos nos vídeos, nos Podcasts, nos grupos de Facebook e Whatsapp, e não devemos parar. Existem canais e pessoas fantásticas dialogando em diferentes esferas das redes sociais. Milhões de cientistas e professores vivem em nós. Estão vivos no conhecimento que acumulamos ao longo de milhares de anos de humanidade e centenas de anos de ciência. Antes de nós, pessoas deram suas vidas para que a teoria da evolução chegasse nas escolas, para que aceitassem que a terra não está no centro de tudo, para que houvesse democracia e liberdade de expressão. Marchamos sobre os ombros de gigantes para encarar os nossos maiores medos. E quando estivermos frente a frente com o que nos ataca, com os punhos cerrados e a raiva no olhar… vamos respirar, pensar, estudar e dialogar, com os que quiserem dialogar. Pois com os que querem ignorar não se pode tolerar a intolerância. E nós não vamos mais aceitar.
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