Bem, quem sabe, talvez, uma das únicas certezas de nosso universo é que tudo muda. Estrelas morrem, outras surgem, planetas desaparecem e provavelmente até buracos negros deixam de existir. Talvez todo o universo conhecido esteja em constante mudança, e claro, com a vida em nosso planeta não seria diferente.
A vida na terra muda ao longo do tempo quer queiramos ou não e, graças as modificações que a vida passa ao longo da história do planeta, estamos aqui hoje. Muitos seres vivos que existiram no passado já não existem mais ou deram origem a outros, os que existem hoje, provavelmente vão deixar de existir no futuro e/ou se transformar em outros. E por mais que a palavra “transformação” soe como algo mágico, a mudança da vida na terra não é nada de sobrenatural, muito pelo contrário, esse processo acontece naturalmente. Podemos nos enganar pensando que essas modificações pela qual a vida passa acontecem de maneira unidirecional, que a vida tende a se transformar em coisas “melhores”. Pode ser um equívoco também, pensar que existe um plano para tudo isso, um planejamento para a vida na terra. Essas coisas acontecem naturalmente, dependendo de mudanças ambientais e processos aleatórios.
Seu cachorro, as bactérias que vivem no seu corpo, o coronavírus, eu, você, o arroz que comemos no almoço, baleias, dinossauros e besouros, todos somos resultado e estamos sujeitos a esse processo de modificação pela qual a vida passa, esta diversidade da vida se dá justamente por causa destas mudanças contínuas. Um processo de transformações que, em geral, é muito lento na escala do tempo e por isso, nós com nossa vida média curtinha, de menos de 100 anos, temos dificuldade em perceber.
Mas eu te garanto, se você pudesse viajar no tempo hoje e pisar num continente desse mundão há 300 milhões de anos, veria que as coisas eram bem diferentes. Veria plantas e animais dos mais diversos, alguns você notaria uma semelhança com os de hoje, outros, seriam bem estranhos. E se sua máquina do tempo tivesse vista panorâmica de um tempo hiper acelerado, pela janela você veria a vida mudar em formas e comportamentos no planeta terra, espécies serem extintas ou dando origem a outras e perceberia também, que essa mudança aconteceria principalmente porque os diversos ambientes no planeta mudam ao longo do tempo e, a vida dá seu jeito, ela responde a essas mudanças ambientais quando pode, mudando. Por isso, essas transformações não têm um objetivo claro, a vida muda conforme o ambiente muda, conforme o clima, o relevo e outras condições ambientais se modificam.
Descobrir como a vida na terra se modifica ao longo do tempo e como isso origina a diversidade de espécies é sem dúvida fantástico e muito curioso. Mas para ajudar a compreender o que é e como foi construída a compreensão que temos hoje sobre a biodiversidade não precisamos apenas decorar um número X de conteúdos e datas históricas, mas precisamos também rever muito daquilo que acreditamos (crenças pessoais mesmo) e entender como as teorias científicas são elaboradas. Afinal, o mais bacana e fascinante da ciência é como ela é feita e não apenas seus resultados. Os resultados sem o processo ficam vazios de significado.
Que desafios as pessoas que fazem ciência enfrentaram em sua busca para compreender a vida na terra? Qual o contexto histórico daquelas pessoas? Qual o impacto dessas ideias de modificações da vida para a ciência e para a sociedade? E principalmente, por que ensinar sobre essas descobertas, tanto na escola como na divulgação científica? O que isso vai mudar na vida da gente? Onde eu vou usar isso na minha vida? Vou usar apenas no ENEM?
Se você que é, ou foi estudante de ensino médio, talvez entenda esses questionamentos e até os façam. Você que é professor ou professora do ensino médio e fundamental, talvez tenha que lidar com essas perguntas. E você docente no ensino superior e que forma professores e professoras, precisa dar significado para essas perguntas em futuros profissionais da educação. E por fim, você que gosta de ciência e caiu de paraquedas nesse texto deve estar relembrando esses questionamentos. Esse episódio é para todos vocês, uma viagem pelo “para que aprender e ensinar sobre as modificações que a vida na terra sofre?”, o que isso pode nos dizer sobre todo o ensino de ciências?
Então, no episódio de hoje, vamos fazer uma pequena viagem sobre como descobrimos tudo isso sobre a vida. Como descobrimos que ela se modifica? Como podemos compartilhar um conhecimento tão fantástico com mais pessoas? Porque as pessoas precisam saber sobre isso?
Este artigo é a transcrição de um dos episódios do nosso podcast, você pode ouvir aqui:
O que é evolução biológica?
Bem, você não precisa de uma máquina do tempo para conseguir observar essas mudanças, felizmente muitos seres vivos mesmo depois de muito tempo depois da sua morte, deixam evidências que viveram nesse planeta. Esses são os fósseis, eles são uma ótima maneira de observar a vida mudar ao longo do tempo. Graças a esses restos de seres vivos preservados ao longo de milhares ou milhões de anos, podemos ter uma pequena amostra de como as coisas eram no passado do planeta e comparar com os dias atuais.
E também, graças aos fósseis que muitas pessoas começaram a questionar o que seriam aqueles seres vivos que não vemos atualmente, relíquias de um tempo tão distante que deixaram -e ainda deixam- muitas pessoas intrigadas sobre como seria o planeta do passado. Da mesma maneira que podemos apenas ter uma pequena noção da dimensão da civilização egípcia graças aos seus artefatos arqueológicos, podemos descobrir como era uma pequena parte da vida no passado, graças aos fósseis. E eles que podem nos contar ainda mais: as mudanças que a vida passou ao longo das eras. Como bastiões do tempo, esses restos de seres vivos preservam parte da história natural do planeta.
Desde que a vida surgiu em nosso planeta, ela passou por mudanças, passando de formas mais simples até formas mais complexas, ou, voltando para formas mais simples também. Como num trabalho de detetive, podemos montar o quebra-cabeças da vida e perceber como fósseis representam seres vivos de diferentes épocas do planeta foram se modificando, gradualmente, a partir de ancestrais comuns. Ou seja, uma espécie que através de tais mudanças, origina várias outras espécies.
Toda vida na terra tem uma origem comum, provavelmente, uma única espécie de ser microscópico extremamente simples que surgiu há quase 4 bilhões de anos (tempo demais da conta), esse organismo, foi se tornando mais complexo com o tempo e diversificando, graças as pressões proporcionadas pelo ambiente do planeta que muda ao longo do tempo. E nada acontece do dia para a noite: a maioria dessas mudanças são bem lentas e graduais. Todo esse processo de mudança da vida ao longo do tempo tem um nome: evolução biológica, que nada mais que é que esse processo natural pela qual a vida muda ao longo das eras.
Agora você está pronto ou pronta para uma definição mais formal do processo de evolução. Aqui, eu vou me permitir trazer a definição da Wikipédia, que está muito boa, pois imagino que esse verbete tenha sido revisado exaustivamente. É uma definição um pouco mais complicada, mas não se preocupe, descomplicamos depois, vamos lá: “Na biologia, evolução (também conhecida como evolução biológica) é a mudança das características hereditárias de uma população de seres vivos de uma geração para outra. Este processo faz com que as populações de organismos mudem e se diversifiquem ao longo do tempo.” Esse termo, Evolução biológica, diferente do senso comum não significa progresso, não indica “melhoria”. Esse termo, na biologia, engloba um conjunto de processos que explicam as mudanças da vida na terra. Porém, evolução não envolve apenas a afirmação de que sim, a vida muda ao longo do tempo, envolve as evidências e explicações sobre COMO essa mudança acontece.
Por isso já vale nos perguntarmos: quais os mecanismos pela qual essas mudanças acontecem? Lá vamos nós de novo com Wikipédia (parabéns a galera que revisou esse verbete, está muito bacana, apesar de bem denso): “A evolução ocorre quando estas diferenças hereditárias se tornam mais comuns ou raras numa população, quer de maneira não-aleatória, através da seleção natural, ou aleatoriamente, por deriva genética.”
Ou seja, de maneira beeem resumida, a evolução explica como a vida na terra muda ao longo do tempo, pelos mecanismos de seleção natural e deriva genética e, que seres vivos possuem ancestrais comuns. De certo modo, aquelas populações de determinado ser vivo com características mais vantajosas em determinado ambiente, se sobressaem e começam a se tornar mais comuns, se reproduzindo mais. Enquanto aquelas que não, ficam cada vez mais raras, pois se reproduzem com menos frequência.
E isso só acontece porque existe variabilidade nas populações de seres vivos, ou seja, numa mesma espécie existem leves diferenças entre as populações, o que permite que quando ocorram mudanças ambientais, algumas populações consigam produzir mais descendentes que outras, essa é a explicação bem resumida para a seleção natural. Porém, se não houver variabilidade o bastante, ou se a mudança ambiental for muito abrupta (vide mudanças climáticas), espécies podem ser extintas, ou seja, deixar de existir na face da terra, às vezes, deixando pistas de sua existência, como os tais fósseis.
Esse é um ultra resumo, e tem um monte de poréns e exceções que só podem ser entendidos em um curso inteiro sobre evolução. Mas vale lembrar, temos um episódio inteiro sobre esse tema que pode lhe ajudar. Senta o dedo no nosso feed de podcast para conferir. (Jabá).
Sem dúvida a evolução é o eixo central da biologia, pois, se a diversidade biológica é produto deste processo de mudança que chamamos evolução biológica, logo a evolução é central a qualquer ciência que estude seres vivos. Os conhecimentos dessa área nos mostram como provavelmente toda a vida na terra possui um ancestral comum, nos mostra que nós seres humanos, temos ancestrais comuns com outros animais. Talvez a evolução poderia até ter outro nome: teoria da ancestralidade comum, pois ela, a ANCESTRALIDADE COMUM, é o eixo central da evolução, porém, isso é tema para outro texto.
Para desvendarmos esses mecanismos que explicam como a evolução acontece, temos um campo um conhecimento científico inteirinho, reunindo estudos ao longo de séculos para compreender e descrever a mudança da vida na terra. Ao longo da história, muitas pessoas contribuíram para tornar o conhecimento sobre evolução cada vez mais sólido.
E talvez, você já tenha ouvido falar muito no nome do cara que foi um dos principais responsáveis por isso tudo, um tal Darwin, não é mesmo? Bem, desde que ele propôs as bases da explicação para o processo evolutivo, muita coisa foi revisada e adicionada no vasto conhecimento dessa teoria, porém, ele postula as bases de como conhecemos hoje a evolução. Eu te disse isso, apenas para ficar claro que desde que essa teoria foi desenvolvida por Darwin, lá na segunda metade do século XIX, muita coisa mudou, mas a grande sacada dele, a seleção natural e a ancestralidade comum, estão firmes e fortes aí e explicam muito bem como a maior parte da evolução acontece.
Eu não poderia ter começado essa conversa sem pelo menos, te adiantar o que é a tal evolução, pois nem todo mundo que nos ouve é da biologia, não é mesmo? A evolução afeta a maneira como nos vemos na natureza, ela nos ajuda a ter humildade para entendermos que somos um animal, um ser vivo sujeito aos mesmos processos evolutivos básicos que todos os outros, nos ajuda a compreender que ainda somos parte da natureza e não donos dela.
Como essa teoria foi construída? Algumas curiosidades.
Definir o processo pela qual evolução acontece assim, nessas frases feitas, nos ajuda a entender o que ela é, mas esconde a complexidade da construção da teoria evolutiva. Esconde a complexidade do fazer ciência. Para começar, não foi Darwin que “inventou” a evolução. Em sua época, Darwin nem sequer era chamado cientista, mas nem por isso ele não fazia ciência (mas isso é assunto para outro episódio). Nenhum pensamento na ciência surge do nada, outros antes dele foram elaborando a ideia e Darwin a desenvolveu num ponto que melhor explica o fenômeno da mudança da vida, além disso, outros depois dele ajudaram a elaborar mais ainda as explicações da teoria evolutiva.
Pesquisas da Embriologia (que estuda o desenvolvimento embrionário dos seres vivos), da genética, ecologia, da anatomia comparada, paleontologia dentre outras áreas ajudaram a consolidar a teoria evolucionista. Mas erramos muito ao pensar que a ciência sempre avança com base nos acertos, que a teoria da evolução foi “melhorando” apenas com avanços. Para que a teoria da evolução se consolidasse os erros tiveram um papel importante e também as controvérsias e contradições que esse conhecimento enfrentou, dentro e fora da ciência. Por exemplo, as tentativas falhas de demonstrar que a evolução NÃO ACONTECE foram importantes para deixar esse conhecimento mais sólido. Muita pesquisa teve de ser feita ou refeita de diferentes formas nas diversas áreas, a partir dos erros, para construir mais conhecimento.
Mesmo falando muito do Darwin, que tem uma história de vida muito curiosa, devemos lembrar que muita gente antes, durante e depois da vida de Darwin ajudaram a construir a evolução. Wallace, por exemplo, estava desenvolvendo a teoria independentemente do Darwin. Lamarck, antes de Darwin, deu importantes passos para o entendimento do processo evolutivo, mesmo não conseguindo explicar muito bem como acontecia a evolução.
Definir evolução de maneira rápida, numa frase feita, esconde como esse conhecimento enfrentou resistência na ciência e fora dela, pois contraria algumas crenças religiosas. Afinal, nós seres humanos e toda a vida na terra não fomos criados como conhecemos hoje: a vida muda e vai mudar ao longo do tempo, sem a intervenção de uma divindade, nos tirando do centro da natureza. Tal resistência a esse conhecimento aconteceu até mesmo na comunidade da ciência, que ainda estava profundamente ligada ao pensamento religioso (talvez até hoje, não é?). Isso nos mostra que a mudança de um modelo de explicação, até na ciência, encontra resistência frente a mudança. Por isso devemos tomar cuidado, não é tão romântica assim a mudança de um conhecimento científico para outro.
Falar disso, de como a evolução chacoalhou muitas crenças religiosas, nos mostra que tem um mundo fora da pesquisa científica e que essa pesquisa se relaciona com esse mundo, direta ou indiretamente. Bem, e aqui entramos um assunto delicado, porque estamos lidando com sistemas de crenças, ou seja, acreditar em algo porque queremos acreditar, sem que haja necessariamente evidências sólidas. Além disso, são crenças que envolvem questões culturais, que geram senso de pertencimento e certos confortos, isso nos mostra que esse assunto é mais complexo do que “ciência vs religião”, é sobre ficarmos desconfortáveis com questionamentos às vezes, inevitáveis, que abalam coisas que acreditamos desde criança.
A questão é que a evolução acontece, independente das nossas crenças, porém, no ensino de ciências e na divulgação científica não ensinamos evolução entrando com o pé na porta, apontando o dedo na cara das uma pessoas e dizendo que o que ela acredita é mentira, existe uma desconstrução por trás do ensino de evolução, que nem sempre vai dar certo com pessoas mais apegadas às suas crenças.
Por isso, mesmo assim, até hoje, mais de 120 anos depois da explicação dada por Darwin, a religião ainda resiste e tenta interferir no ensino de evolução nas nossas escolas, e infelizmente, muitas religiões mesmo chega com o pé na porta, ou se esgueira para ser ensinada em pé e igualdade com a teoria da evolução e na sala de aula, e, em geral, são religiões cristãs. Porém, já vou adiantar para você, que das ciências, a evolução é um dos conteúdos mais importantes que ensinamos na escola. Mas será mesmo? Importante porquê? Tá na hora de passar da evolução na ciência para a evolução em sala de aula, compartilhada e popularizada na educação básica, no ensino de ciências.
Teoria da evolução em sala de aula: Porquê? Para quem? Como? Para quê? Com quais impactos? Quais interesses? O que isso causou nas pessoas? Qual nosso papel nisso?
A evolução biológica é fascinante, pensar que existiram seres vivos dos mais diversos no passado, em formas e comportamentos, que nem sequer podemos imaginar, e também, que alguns se transformaram em fósseis e podemos ter uma amostra de como a evolução moldou e molda a vida na terra, é realmente fascinante! E fica mais fantástico quando pensamos que nós, humanos (que esquecemos que somos animais) também somos parte do processo evolutivo.
Porém, eu arriscaria dizer que a maioria dos nossos estudantes do ensino básico saem da escola sem esse fascínio, infelizmente, eu saí assim. A visão da sociedade em geral sobre a vida na terra ainda é extremamente mística e metafísica, o pensamento evolutivo ainda não está arraigado no nosso senso comum.
Bem, e se lamento que a maioria de nós saímos do ensino básico sem compreender evolução, significa que acho evolução importante demais, certo? Significa que ela deve ser ensinada na escola? Certo? Sim, eu acho. Assim como acho que todas as ciências naturais são essenciais para nossa sociedade. Todas as pessoas deveriam ter acesso as grandes explicações que a ciência nos fornece, e principalmente, acesso às perguntas que tentamos responder para poderem se apropriar da ciência, ciência essa que pode ser usada para explorar pessoas.
Porém, essa história não é tão simples assim, todas as pessoas deveriam ter acesso a esses conhecimentos que desvendam a história da vida na terra, porém, a realidade difere das minhas expectativas. A evolução, se for ensinada de maneira fria e conteudista, pode afastar as pessoas desse conhecimento.
Agora eu me dirijo para nossos ouvintes do ensino médio, é comum ouvir estudantes e infelizmente colegas professores realizarem a seguinte pergunta: E o que isso muda na vida da gente? Para quê estudar isso? E sabe, essa pergunta é legitima e faz muito sentido vindo de pessoas que em sua maioria, tiveram um contato apático com a evolução, por no máximo, decorebas de conteúdos em aulas em formato de linha de produção, chatas. É uma pergunta com muito significado para a aprendizagem. Porém, eu confesso, tem gente mal-intencionada, que faz essas perguntas para atacar a evolução, pois tem interesses escusos nisso.
Parenteses: E ainda tem uma pergunta que ouço muito, especificamente sobre evolução. Antes de começar a ensinar esse conteúdo é comum ouvir: “Essa evolução é aquele conteúdo que a gente estuda que viemos do macaco?”. Essa pergunta daria um episódio inteiro, mas eu só quero dizer, que não, não viemos do macaco e a resposta para isso é muito interessante e longa, mas, se quiser matar a curiosidade, tem link nas referências do ep.
Mas voltando, a maioria das pessoas que elaboram tais perguntas (E o que isso muda na vida da gente? Para quê estudar isso?) Simplesmente não veem sentido porque não tiveram a maneira como pensam expandida, graças ao ensino de ciências realmente critico e libertador.
Então, para que aprender evolução? Eu poderia começar com aqueles exemplos mais próximos da nossa realidade, a evolução nos ajudando a compreender coisas no nosso cotidiano, como para a saúde e para a economia, por exemplo. EU poderia começar por aí. Falando, por exemplo, de antibióticos, seleção artificial de variedades de plantas e animais, de manejos de pragas, espécies geneticamente modificadas, biologia da conservação... Entender evolução nos ajuda a entender a pandemia, porque existem variantes ou, porque os vírus mudam, como as vacinas funcionam, como os vírus migram de outros animais para nós. Mas para além dessas explicações mais práticas, nas minhas aulas, eu prefiro começar por outro lugar.
Para compreender a evolução e ainda se encantar por ela, precisamos mudar a maneira como enxergamos o mundo, o conhecimento e até o tempo. E isso demanda tempo (ironicamente). Precisamos aprender a enxergar para além do nosso senso comum, para além do nosso cotidiano e depois ainda relacionar isso com nosso cotidiano, num caminho inverso. Ou seja, mudar nossa visão para um aspecto do mundo, da realidade. Seria algo como lentes, mas não para nossos olhos, mas para nossa mente. Lentes que nos permitissem ver para além da nossa vivência, para o que a evolução representa. Compreender evolução pode contribuir para a compreensão da própria natureza da ciência. E entender a natureza da ciência, nos ajuda a entender como a ciência constrói conhecimentos relativamente sólidos e porque a evolução realmente acontece.
Acho que existe um argumento bem mais simples, subestimado e essencial para se aprender evolução e ciência em geral: porque é bacana, por que é deslumbrante, revelador (e até de arrepiar) descobrir que as pessoas, em suas épocas, mesmo sem nunca terem se conhecido, ajudaram e ajudam a desvendar o que é a vida. É mais enriquecedor ainda pensar que temos a oportunidade e o privilégio de fazer parte disso. Ensinar ciências serve principalmente para nos mostrar que somos um coletivo, que fazemos ciência juntos, em sociedade e que para isso, precisamos nos organizar, até politicamente. Ensinar evolução, nos ajuda a entender como a ciência funciona, quem eram e como eram as pessoas que faziam ciência, nos ajuda a entender até o papel e as influências da religião em nossa sociedade.
E repito a pergunta sobre ensinar evolução: o que isso muda na vida da gente? Para quê isso serve? Isso muda (e deve mudar) a maneira como vemos e pensamos o mundo, como vemos e pensamos sobre a humanidade para além do nosso próprio nariz. Isso muda nossa maneira de pensar, de que há outras maneiras de estudar o mundo que não apenas nossa vivência cotidiana.
Não devemos nos perguntar apenas “para que serve isso” ou “onde vou usar isso em minha vida”. Mas podemos nos perguntar também: porquê estudar evolução? Para quem? Como? Com quais impactos? Quais interesses políticos e econômicos? O que isso causou nas pessoas? Qual nosso papel nisso? O mais bacana, é que podemos nos perguntar isso para tudo que aprendemos na ciência. Essas perguntas são capazes de revelar uma fantástica história e mudar nosso pensamento, para algo mais critico e bem embasado, nos fazendo tomar gosto pelo árduo processo que pode ser o aprendizado desses conhecimentos.
Quando pensamos sobre porque ensinamos ou aprendemos algo, com aquela clássica pergunta: para que isso será útil na minha vida, devemos nos perguntar primeiro, qual o valor do útil? Só o que é útil tem valor? O que significa utilidade para nós?. Por isso, mesmo para pensar em evolução, precisamos da filosofia, da sociologia e até da arte. Para podermos mudar o significado de útil em nossas cabeças.
Você estudante, que já terminou o ensino médio, que está cursando ou ainda vai estudar evolução, provavelmente já ouviu ou vai ouvir falar em muitos termos e nomes como: Larmarck, lamarckismo, hereditariedade, ancestralidade, espécie, biodiversidade, ambiente, variabilidade, adaptação, Wallace, mutação, recombinação, seleção natural, deriva genética. Esses termos e nomes são muito importantes, mas mais importante que isso é como juntamos esses termos para contar a história da evolução e seu papel para a sociedade e para nós meros indivíduos.
Porque o ensino de ciências é importante para mudarmos a consciência social e por que para ele fazer isso, precisamos virar as coisas de ponta cabeça?
Da mesma maneira que a evolução, o ensino de ciências pode nos ajudar a mudar nossa consciência de o que é SER HUMANO, do que é SER E ESTAR VIVO ou VIVA. Mas para isso acontecer, devemos primeiro, revirar e questionar muitas das coisas que acreditamos. Devemos questionar nossas crenças que aprendemos e que nos foram impostas desde criança, sem podermos sequer pensar sobre elas.
Ensinar e aprender evolução, nos mostra como somos pequenos no espaço e no tempo, mas como, em simultâneo, somos grandes por ter a oportunidade de poder pensar sobre. E esse privilégio, deveria ser de fácil acesso para toda a humanidade, deveria ser um direito ainda mais universal.
Para ensinar e aprender ciência, não podemos isolar a ciência nela mesma, dissociada do mundo fora da pesquisa, por isso temos que mostrar que existem contradições de pensamento. Não é possível desarticular as questões religiosas do ensino de evolução, pois existem conflitos de pensamento, por outro lado, ensinar ciência ou evolução de maneira absolutista, como se fosse a única coisa certa afasta as pessoas do entendimento de que podem participar dessa ciência. Ou pior, cria rixas e cisões por causa do ataque às crenças das pessoas.
Devemos dialogar, com empatia e respeito, no ensino de evolução, sobre as relações e contradições entre ciência e religião, para desconstruirmos certos preconceitos que criam barreiras para o aprendizado dessa ciência. Evolucionistas não precisam ser ateus e, religiosos podem aceitar a teoria da evolução, essa articulação precisa aparecer no ensino de ciências, silenciar as relações entre ciência e religião é mais perigoso do que falar desse assunto com sabedoria. Deixar os conflitos dos alunos de lado e não tratar deles, é perigoso e pode aumentar a negação da evolução.
E caros professores e professoras: podemos ensinar desmatamento, evolução ou crise hídrica de maneira fria e "imparcial" na biologia. Podemos dizer que toooodos, lindamente, somos responsáveis pelo gasto de água. Ou podemos dizer que alguns são mais responsáveis que outros pela sua posição de poder econômico e político. Podemos dizer que evolução e religião não se misturam, mas em que aspecto que não se misturam? A neutralidade costuma ser perigosa e esconder conflitos importantes, que devem ser debatidos.
Para promovermos mudanças verdadeiras, temos que expôr as ideias que incomodam, que reviram as bases da normalidade e do estado das coisas. Não apenas reproduzir conteúdos.
O que dá para fazer com o que temos?
Seria ótimo se todos pudessem compreender como a ciência funciona, pois, em geral, isso muda a maneira como vemos as coisas, enxergamos a realidade com mais cautela, evitamos certos achismos, conseguimos olhar para um mundo fora da nossa vivência com mais respeito, empatia e alteridade. Ensinar ciências, é ensinar uma maneira mais cautelosa e critica de olhar para o mundo e isso pode ajudar a formar pessoas que buscam uma sociedade mais justa. Mas para isso acontecer, devemos pensar no ensino de ciências, lá no chão da sala de aula, na escola, na educação básica brasileira.
E bem, se você ouvir nossos episódios anteriores, vai perceber como debatemos os desafios e a precariedade das escolas no Brasil. A educação Brasileira ainda precisa melhorar muito para conseguirmos alfabetizar cientificamente nossa sociedade. Estamos distantes de um ensino de ciências nos moldes que expliquei logo ali atrás. Vivemos em uma sociedade que tem muita resistência para uma educação transformadora, que opta por uma educação que apenas reproduz a sociedade, seus preconceitos e desigualdades.
Hoje vemos uma educação que agoniza para fazer o mínimo. Vemos uma educação formal que ainda está servindo apenas para formar mão de obra para o mundo do trabalho, mão de obra acrítica, que não sabe como questionar de maneira sistêmica e se organizar para lutar pelos direitos. Mão de obra acrítica não luta politicamente, não subverte a desigualdade social que até a própria ciência estuda e que mostra que faz tantas pessoas sofrerem.
Hoje, sem querer, muitas pessoas lutam em prol do sistema que tanto as oprime sem sequer perceber e ensinar ciências, nesse contexto, de maneira crítica e libertadora, no ensino público, é uma das importantes ferramentas de empoderamento para todas as pessoas menos favorecidas, é uma parte essencial no processo de inclusão de sujeitos ativos na sociedade em que vivem. Essa ideia ainda incomoda muitos que detêm poder econômico e político, incomoda porque querem manter seu poder.
Como eu já falei, temos alguns problemas para ensinar evolução, na verdade, temos problemas para ensinar tudo quanto é pensamento crítico e eu não culpo os apenas os professores lá no chão da escola, professores e professoras são mais vítimas do que heróis responsáveis pelos erros da educação. Esses problemas são sistêmicos, estão arraigados na cultura das políticas educacionais dos país e até nos documentos normativos da educação. Esse problema sistêmico é amplamente compreendido pelas pesquisas em ciências sociais, especialmente nas ciências educacionais e na pesquisa em ensino de ciências.
Esse é um problema complexo, e problemas complexos pedem soluções complexas. Não tenho uma receita única e magica para essa solução. Mas uma parte importante dessa solução passa pela apropriação do que como funcionam educação e o ensino de ciências no Brasil, conhecendo, podemos nos apropriar para ocupar espaços de luta por uma educação que Paulo Freire tanto discutia, uma educação que ensine a pensar de maneira crítica e que nos liberte daquilo que nos controla, e aquilo que nos controla, muitas vezes acha que as pessoas sequer têm direito a compreender de onde a vida na terra veio e como ela muda ao longo do tempo.
Mas queridos educadores e educadoras que me ouvem, agora falo para vocês: dá para fazer muito mais com o que temos. Temos no mínimo duas frentes para lidar: uma mais local, no tempo e no espaço e uma de longo prazo, uma depende da outra, então temos que colocar a mão na massa. Podemos exercitar nossa autonomia como professores e professoras em sala de aula e caminhar para aulas que tenham mais sentido, que sejam mais construtivas e criticas, independentes das pressões políticas e ideológicas ignorantes.
Ouça o episódio:
Referências:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/alexandria/article/view/1982-5153.2016v9n1p103
https://dragoesdegaragem.com/blog/luciano-queiroz/7-razoes-do-porque-voce-deve-saber-evolucao/
https://darwinianas.com/2018/02/13/por-que-devemos-compreender-evolucao/
https://www.quatrocincoum.com.br/br/podcasts/vinte-mil-leguas
https://www.quatrocincoum.com.br/br/podcasts/vinte-mil-leguas/um-navio-com-nome-de-cachorro-pt-i
https://www.blogalexdiniz.com/post/darwin-e-a-%C3%A1rvore-da-vida
https://www.blogalexdiniz.com/post/criacionismo-e-a-escala-de-scott
https://www.blogalexdiniz.com/post/ad%C3%A3o-era-um-australopithecus
https://fce.edu.br/blog/perspectivas-atuais-no-ensino-de-ciencias-objetivos-conteudos-e-metodos/
https://www.youtube.com/watch?v=mlX6ZLSNcrA&ab_channel=UNIVESP
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